Como afastar a coisa julgada material?

A petição inicial deve focar nos fatos e nas provas desses fatos, sejam elas pré-constituídas ou a serem produzidas ao longo do processo judicial, além dos fundamentos jurídicos e do pedido formulado. Em minha opinião, a petição inicial é a peça mais importante do processo, pois dela se originam todos os atos processuais subsequentes. Vale ressaltar que a petição inicial, composta por fatos, fundamentos jurídicos e pedidos, constitui a base da pirâmide processual. Mas não só.

É, a partir da compreensão do imbróglio resistido, que se poderá elaborar estratégias processuais efetivas, como por exemplo:

Imagine que JOÃO, 17 anos, tenha ajuizado uma ação de concessão de pensão por morte em face do INSS, em razão da morte de seu pai, no rito do juizado especial federal. Ocorre que, segundo o Magistrado, o demandante não logrou êxito em comprovar a qualidade de segurado especial do genitor e por isso julgou improcedente o pedido, após instrução, e que tenha trânsitado em julgado a decisão de mérito, o que encerra a lide com incidência dos efeitos da coisa julgada material, ou seja, do próprio direito material anteriormente discute não cabe mais rediscussão.

Numa situação como essa, é comum que JOÃO ainda insatisfeito busque outro advogado para que tente reverter tal improcedência.

É comum que um advogado sem experiência no rito especial (Lei 9.099/95) pense no cabimento de uma possível ação rescisória. O problema é que NÃO CABE ação rescisória em face de sentença do juizado especial, conforme art. 59, da Lei 9.099/1995, aplicada de maneira subsidiária à Lei 10.259/2001, que trata do Juizado Especial Federal.

Entretanto, ainda que fosse possível o ajuizamento de uma ação rescisória, esta tem seu cabimnto restrito às hipóteses do art. 966, do CPC/15, que são:

Art. 966. A decisão de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando:

I – se verificar que foi proferida por força de prevaricação, concussão ou corrupção do juiz;

II – for proferida por juiz impedido ou por juízo absolutamente incompetente;

III – resultar de dolo ou coação da parte vencedora em detrimento da parte vencida ou, ainda, de simulação ou colusão entre as partes, a fim de fraudar a lei;

IV – ofender a coisa julgada;

V – violar manifestamente norma jurídica;

VI – for fundada em prova cuja falsidade tenha sido apurada em processo criminal ou venha a ser demonstrada na própria ação rescisória;

VII – obtiver o autor, posteriormente ao trânsito em julgado, prova nova cuja existência ignorava ou de que não pôde fazer uso, capaz, por si só, de lhe assegurar pronunciamento favorável;

VIII – for fundada em erro de fato verificável do exame dos autos.

§ 1º Há erro de fato quando a decisão rescindenda admitir fato inexistente ou quando considerar inexistente fato efetivamente ocorrido, sendo indispensável, em ambos os casos, que o fato não represente ponto controvertido sobre o qual o juiz deveria ter se pronunciado.

(…)

 

Assim, nas demandas previdenciárias, geralmente se pensa em indicar como cabimento de eventual ação rescisória com fundamento o inciso VII ou o VIII, do art. 966, do CPC/15, o que exigeria melhor compreensão da matéria a partir da doutrina e da jurisprudência.

Na prática, todavia, as Turmas Recursais da Justiça Federal do Ceará, inclusive, inadmitem o manejo da ação rescisória. Então, firmou-se o entendimento de que poderia o autor ajuizar nova demanda, na qual se discutiria o afastamento da coisa julgada material, o que também na prática acaba por ser extremamente dificultoso.

Noutro giro, o que quero demonstrar aqui é o seguinte:

Perceba que João ajuizou processo em face do INSS, pelo rito do juizado especial federal, pleiteando a condenação do INSS em lhe conceder o benefício de pensão por morte em razão do óbito do seu genitor, cuja qualidade de segurado que se apontou foi “segurado especial”, mas que o pedido foi julgado improcedente com transito em julgado, como já dissemos.

O que é a coisa julgada material? #

Diz o art. 502, do CPC/15: “Denomina-se coisa julgada material a autoridade que torna imutável e indiscutível a decisão de mérito não mais sujeita a recurso.”

Parece não dizer muito, correto?

Errado. Diz muito. Vamos descer mais um pouco.

O que é a decisão de mérito? #

Diz o art. 487, do CPC/15:

Haverá resolução de mérito quando o juiz:

I – acolher ou rejeitar o pedido formulado na ação ou na reconvenção;

II – decidir, de ofício ou a requerimento, sobre a ocorrência de decadência ou prescrição;

III – homologar:

a) o reconhecimento da procedência do pedido formulado na ação ou na reconvenção;

b) a transação;

c) a renúncia à pretensão formulada na ação ou na reconvenção.

Perceba que a decisão de mérito ocorre quando o juiz “acolhe ou rejeita o pedido na ação ou na reconvenção”. Isso se significa que precisamos nos atentar a o quê?

O juiz para julgar se atentará ao pedido da petição inicial (ou da reconveção). Então, pergunto:

O que é o pedido da petição inicial? #

O art. 322 do CPC/15 revela que o pedido deve ser certo e que sua interpretação “considerará o conjunto da postulação”, observando o princípio da boa-fé.

Começamos a falar de coisa julgada material e perceba que nós estamos “descendo” na piramide processual a fim de entender o que a coisa material afeta.

Ora, se o pedido considerará o conjunto da postulação, devemos, então, entender o que foi postulado. Nessarte, entendo que o “conjunto da postulação” diz respeito à causa de pedir.

Lembra da causa de pedir? #

A causa de pedir é o resultado dos fatos jurídicas e dos fundamentos jurídicos. Lembre-se que o dispositivo legal não é necessariamente o fundamento jurídico, eis que o juiz pode entender inaplicável o dispositivo indicado pela parte para julgar o pedido indicando o dispositivo que entende correto.

Contudo, em grande parcela dos casos, o fundamento jurídico poderá ser compreendido como o dispositivo legal indicado pela parte ou julgado pelo juiz.

Portanto, o pedido será o resultado dos fatos + fundamentos (dispostivo legal indicado, se correto e aceito pelo Magistrado).

Compreendido isso, voltemos ao nosso exemplo do JOÃO.

Considerações finais #

Os fatos daquele exemplo são “O pai de João faleceu e na data do óbito ele seria segurado especial do RGPS” e esses fatos “garentem ao filho de 17 anos o direito ao benefício pensão por morte com fundamento no art. 39, da Lei 8.213/91”. Temos, aqui, pois o fundamento legal indicado pelo autor, qual seja, art. 39, da Lei 8.213/91.

Imagine agora que, ao analisar o caso, você percebe que na data do óbito o genitor poderia ainda estar segurado em razão de ele que veio a falecer após um período de incapacidade que se iniciou dentro do período de graça de um vínculo de emprego (de carteira assinada) anterior. Imagine que você percebeu, por exemplo, que o genitor trabalhou de servente de pedreiro no período de 10/10/2008 a 31/01/2009 e que no dia  08/03/2010, ele sofreu um infarto, permaneceu incapacitado por 14 meses 08/07/2011, quando então recuperou sua capacidade para o trabalho. Imagine, por fim, que ele tenha falecido aos 15/06/2012.

Poderia, então, ser ajuizado novo processo com base nesses fatos ou a coisa julgada material afetaria isso?

Como afastar a coisa julgada material do JEF? #

No caso, entendo que é possível sim o ajuizamento da nova demanda porque o fundamento legal (dispositivo) é outro. Na causa anterior, apontou-se os arts. 11, VII, e 39 da Lei 8.213/91 e que o juiz julgou improcedente também com base nesses dispositivos, eis que como mencionei “não logrou exito em provar qualidade de segurado especial”.

O juiz nada mencionou acerca das outras espécies de seguradao.

Assim, a partir dos novos fatos, teríamos uma causa de pedir diversa, formada pelo mesmo fato, mas por outros dispostivos legais, que seriam: art. 11, I, c/c art. 15 e art. 74, todos da Lei 8.213/91. Aqui, até mesmo o pedido mudaria. Na ação anterior, a pensão por morte do segurado especial tem como fundamento o art. 39, da Lei 8.213/91. Neste outro, o fundamento da pensão por morte seria o art. 74, da Lei 8.213/91.

Nesse exemplo, então, seria possível, em tese o ajuizamento da nova ação que apresenta uma causa de pedir diversa, cujo pedido também se altera em relação ao primeiro processo.

Portanto, uma solução para afastar a coisa julgada material de ação anterior é a constatação de se alterar a causa de pedir, indicando-se fundamento jurídico diverso, ainda que quase identidos os fatos.

Espero ter ajudado. Em caso de dúvidas, acionar o advogado responsável.

O que você achou?
Updated on 27 de Agosto de 2024